Pesquisadores de Harvard sugerem que a proteína possui uma função real e inesperada
Durante anos, uma teoria bastante popular dizia que um dos principais vilões no mal de Alzheimer não passava de um produto inútil, de que o cérebro nunca se livrou adequadamente.
O material, uma proteína chamada amiloide beta, ou A-beta, se acumula em duras placas que destroem sinais entre nervos. Quando isso acontece, as pessoas perdem a memória, sua personalidade se altera, e elas deixam de reconhecer amigos e familiares.
Porém, agora pesquisadores de Harvard sugerem que a proteína possui uma função real e inesperada – ela pode ser parte das defesas comuns do cérebro contra bactérias e micróbios invasores.
A nova hipótese foi iniciada tardiamente, numa noite de sexta-feira no verão de 2007, num laboratório da Faculdade de Medicina de Harvard. O principal pesquisador, Rudolph E. Tanzi, professor de neurologia que também dirige a unidade de genética e envelhecimento no Hospital Geral de Massachusetts, disse estar examinando uma lista de genes que pareciam ser associados ao mal de Alzheimer.
Para sua surpresa, muitos se pareciam com genes associados ao chamado sistema imunológico inato, um grupo de proteínas que o corpo utiliza para combater infecções. O sistema é particularmente importante no cérebro, pois anticorpos não conseguem atravessar a barreira hematoencefálica, a membrana que protege o cérebro. Quando o cérebro é infectado, ele depende do sistema imunológico inato para protegê-lo.
Naquela noite, após a usual hora da cerveja do fim da semana, Tanzi entrou na sala de um membro acadêmico mais novo, Robert D. Moir, e mencionou o que havia visto. Como Tanzi se lembra, Moir virou-se para ele e disse: “Certo, bem, veja isto”.
Ele entregou uma planilha a Tanzi. Era uma comparação entre a A-beta e uma proteína bastante conhecida do sistema imunológico inato, a LL-37. As semelhanças eram excepcionais.
Entre outras coisas, as duas proteínas possuiam estruturas similares. Assim como a A-beta, a LL-37 tende a se agrupar em pequenas bolas duras.
Em roedores, a proteína que corresponde à LL-37 protege contra infecções no cérebro. Pessoas que produzem níveis baixos de LL-37 sofrem maiores riscos de infecções graves, e possuem níveis mais altos de placas ateroscleróticas, crescimentos arteriais que impedem o fluxo sanguíneo.
Os cientistas mal podiam esperar para ver se a A-beta, como a LL-37, matava micróbios. Eles misturaram A-beta com micróbios que a LL-37 mata – listeria, estafilococos, pseudomonas. Ela matou 8 de 12.
“Fizemos os experimentos exatamente como eles foram feitos durante anos”, disse Tanzi. “E a A-beta foi tão potente ou, em alguns casos, mais potente que a LL-37”.
Em seguida, os pesquisadores expuseram o fungo Candida albicans, uma das principais causas da meningite, a tecidos das regiões cerebrais do hipocampo de pessoas que haviam morrido de Alzheimer, e de pessoas da mesma idade que não possuiam demência ao morrer.
Amostras do cérebro de pacientes com Alzheimer eram 24% mais ativas em matar as bactérias. Mas, se as amostras fossem previamente tratadas com um anticorpo que bloqueava a A-beta, elas não matavam o fungo com mais eficácia que o tecido cerebral de pessoas sem demência.
O sistema imunológico inato também é colocado em ação por danos cerebrais traumáticos e derrames, além da aterosclerose – que leva a uma redução no fluxo de sangue para o cérebro, apontou Tanzi. E o sistema é estimulado por inflamações. Sabe-se que pacientes com Alzheimer têm cérebros inflamados, mas não estava claro se o acúmulo de A-beta era causa ou efeito da inflamação. Talvez, explica Tanzi, os níveis de A-beta subam como resultado da reação do sistema imunológico inato à inflamação; pode ser uma forma de o cérebro reagir a uma infecção percebida.
Se Tanzi estiver certo sobre a A-beta fazer parte do sistema imunológico inato, isso levantaria questões sobre a busca por tratamentos para eliminar a proteína do cérebro.
“Isso significa que você vai querer acertar a A-beta com um martelo”, disse Tanzi. “Isso nos diz que precisamos do equivalente a uma estatina para o cérebro, de forma a reduzir seu funcionamento sem desligá-la” (Tanzi é cofundador de duas empresas, Prana Biotechnology e Neurogenetic Pharmaceutical, que estão tentando enfraquecer a A-beta).
Relkin disse que, mesmo se a A-beta não fizesse parte do sistema imunológico inato, não seria uma boa ideia removê-la completamente, junto às bolas duras de placas que ela forma no cérebro.
No passado, segundo Relkin, cientistas supuseram “que a patologia era a placa”. Hoje, ele compara a remoção das placas a desenterrar balas no campo da Batalha de Gettysburg.
Quanto mais balas numa região, mais intensa era a batalha. Mas “desenterrar balas não vai alterar o resultado da batalha”, explicou ele. “A maioria de nós não acredita que remover placas do cérebro seja a solução final”.
Porém, outros cientistas não ligados à descoberta disseram estar impressionados com as novas informações.
“Isso muda nossa maneira de pensar sobre o mal de Alzheimer”, afirmou o Dr. Eliezer Masliah, que chefia o laboratório de neuropatologia experimental da Universidade da Califórnia, em San Diego. “Não creio que jamais tenhamos pensado nessa possibilidade para a A-beta”.
Masliah está intrigado com a ideia de que conglomerados de A-beta possam matar bactérias e neurônios pelo mesmo mecanismo. Ele apontou que Tanzi possui um histórico de surgir com ideias incomuns sobre o mal de Alzheimer que acabam se mostrando corretas. “Creio que ele esteja perto de algo importante”, concluiu Masliah
Fonte: The New York Times
quinta-feira, 1 de abril de 2010
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